domingo, 26 de maio de 2013
Pratos sujos sob a pia mancham, com as
cores mórbidas da solidão, o avental de porcelana da princesinha de um longínquo
reino utópico fadado ao fracasso. O odor do detergente, enjoativo e barato,
típico dos botecos situados na paupérrima periferia da cidade, resseca as mãos
e o interior das narinas de quem nasceu para ser nobre. A água do esgoto flui pela torneira,
esquecida aberta há alguns muitos séculos amontoados ao longo da história, e
penetra a boca de coloração azeda da “Anastásia perdida” do Brasil. Sujeira
acumulada faz crosta nas quinas de portas e armários, transformando antigos
perdidos amigos em monstros fictícios que nem Spielberg imaginou algum dia
existir.
A toalha branca, preta fica após suas
tenebrosas ações. Olhando-a, algo escorre de seu rosto: suor ou lágrima,
ninguém sabe ao certo. A pele brilha não como uma promissora estrela, mas como
uma lâmpada barata que deixa dolorido os olhos a uma olhadela, incomoda a cabeça
e distancia aqueles que a acolheram em suas salas. O copo, marcado de um beijo
laranja no branco pescoço do menino de cachos, flutua no ar, emoldurado pelos
longos fios negros artificiais, implantados pela vaidade feminina aos doze
anos, quando surgiu o primeiro namorado.
Um fio fino de sabe-se-lá-o-quê enrosca
na ansiosa perna cruzada dela. O hipnotizante movimento de levantar e abaixar
aquele sapato cor-de-rosa encontrado na vitrine de lojas populares no centro da
cidade hipnotiza o garçom de olhos de verdes. A cabeleira caída de lado excita o
antigo amor de sua rival favorita. A cada girar de cereja no Martini, ela se
aproxima mais do alvo. Pronta para atirar. Sem chances de errar.
- Eu te amo.
Meticulosamente planejada e armada, a
clássica bomba atualizada para os tempos modernos, explode. Vidros
estilhaçados, rostos boquiabertos. Ninguém nunca fora tão longe. Ninguém nunca tirara
tanto proveito de uma sabida frase ilusionista...
E corpos desnudos se amaram por algumas
horas, unidos por interesses mesquinhos, buscando o ápice do prazer. Macularam
o imaculado mundo dos contos de fadas. Transformaram sonhos em pesadelos.
Restou-lhe o canto vazio e gélido de
uma sala repleta de faces risonhas.
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